O FARISEU - [MICROCONTO]

 

  A festa estava agradável. Rostos bem afeiçoados e roupas caríssimas dos mais variados tipos. Garrafas de champanhe sendo abertas e risos estridentes ecoando pelo salão. Algum tempo depois chegara um homem judeu trajado em seu terno de 400 mil dólares. Sua aparência era invejável e sua fama era conhecida até mesmo pela ralé. Enquanto ele subia às escadas as belas mulheres olhavam-no com extremo desejo. Ao entrar, notou algo diferente de tudo o que já houvera notado. Embora a multidão de cavalheiros e damas estivessem transitando pelo salão, contudo, seus belos rostos estavam manchados de tinta negra. Ele piscou os olhos intensamente como se duvidasse de sua própria presença naquele lugar mas para o azar dele, aquela cena grotesca permanecia a mesma. Sentindo um pequeno desconforto, ele caminhou em direção ao banheiro. Ao entrar, colocou-se frente a frente com o espelho. Enquanto estava cabisbaixo lavando as mãos tudo parecia normal. Entretanto, ao olhar para o reflexo que se mostrava diante de suas retinas fadigadas, ele percebeu que seu rosto, assim como os rostos dos demais, estava manchado com tinta negra. Ele atordoou-se e assim abriu a torneira levando a água em direção ao rosto. No entanto, quanto mais ele tentava desfazer-se da tinta em seu rosto, mais escura ficava sua face. Vendo que suas tentativas não tinham êxito, ele saiu apressadamente daquele banheiro. Entre os corpos assimétricos e as taças de vinho ele sentia-se sufocado pela multidão. Sua alma estava conturbada e seu coração disparava feito uma metralhadora. Ao aproximar-se da porta por onde havia entrado, uma das mulheres que ali estavam tocou-lhe no ombro esquerdo e lhe perguntou: "Você não vai ficar pra festa?". Ele deu de ombros e fingiu como se aquela obra de arte não passasse de um cadáver em estado de putrefação. Ao sair, ele pegou um táxi e foi para casa. Ele foi para o banheiro e encarou sua própria imagem, e para o seu desespero, a tinta negra continuava em seu rosto. Ele pegou o papel higiênico, tirou alguns pedaços e esfregou em sua face com toda a força, no entanto a mancha continuava lá. Desta vez ele estava mais aflito. Em questão de segundos, a mancha foi se espalhando por todo o seu corpo até as suas unhas e seus olhos se tornarem rubros como o carvão. Ele encostou-se na parede do banheiro e chorou loucamente a ponto de sentir náuseas. Vendo que o precipício estava a sua frente, ele caminhou em direção à cozinha, tirou uma faca da gaveta e cortou ambos os pulsos. No entanto, o sangue que jorrava pelos cortes não era vermelho, mas sim negro.

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