Calçadas lisas e pernas perambulando pelos espaços. Nada mais além de um dia comum acompanhado pela luz escaldante do sol. O semáforo mudava de cor sem parar. Os prédios luxuosos e bem arquitetados exalavam a sua arrogância. As agências bancárias murmuravam diante das intermináveis filas de pessoas cativas pelo desespero. Entre todas essas existências, lá estava um mendigo. Para ser mais preciso, um velho maltrapilho como seus cabelos despenteados e sua barba desgrenhada. Enquanto segurava sua caneca, objeto do qual utilizava para receber uns míseros trocados, as pessoas passavam por ele como se ele fosse apenas um cão sem dono. Seus olhos estavam consumidos pela insônia e pelo frio das noites vazias. Ele dizia para as pessoas que por ele passavam: "Uma esmola, pelo amor de Deus!". Entretanto, a maioria revirava os olhos, como se a bondade fosse o sinônimo de burrice. Dentre os pedestres que atravessavam a rua, um homem extremamente elegante e bem vestido estava ajeitando seus óculos escuros. Sua aparência era impecável, e seu terno custava cerca de 1 milhão de reais. Ele usava um rolex prateado e tinha um iPhone de última geração. Ao atravessar a rua, ele caminhou em direção ao banco.
O mendigo aproveitou a oportunidade para pedir-lhe aquele mísero trocadinho. O homem elegante, respirou fundo, tirou os óculos e olhou para o mendigo como uma girafa olha para uma formiga. Então ele deu um sorriso sarcástico e lhe disse: "Você, ao invés de procurar um emprego, fica aqui vendendo sua alma, como se fosse um escravo sem dono. Olhe só pra você! Cheirando mal, com roupas rasgadas e usando um par de chinelos chinfrim. Você acha mesmo que eu sou otário, é? Você deve ser no mínimo aposentado. Aí você ainda fica aqui se humilhando pros outros como se fosse uma prostituta implorando por atenção. Cria vergonha na cara, seu velho imundo. Aposto que você não passa de um bêbado. Com certeza gasta o dinheiro todinho da aposentadoria com bebida e por isso precisa ficar aqui mendigando nas ruas feito um coitado. Você não me engana! Aliás! Quer saber? O mundo seria um lugar mais civilizado sem a sua existência".
O mendigo, depois de ouvir tal discurso, simplesmente levantou-se com um olhar triunfante, e disse ao jovem rapaz: "Você gosta de poesia?". O rapaz estranhou a pergunta e logo em seguida respondeu: "Sim, eu gosto. Mas o que isso tem a ver?". Então o mendigo prosseguiu com sua fala: "Vou citar alguns versos que eu aprendi. Essa poesia foi escrita por um poeta muito famoso aqui na cidade de Floriano. Escute só". O jovem rapaz manteve a atenção e ficou apenas observando. Enquanto isso, o mendigo começou a recitar os versos: "Pra quê se preocupar com riqueza e jóias caras na vida, se na hora do adeus e na hora da partida, a única coisa que se leva da vida é a roupa do corpo e terra na cara?". No exato momento em que o mendigo terminara de declamar tais versos, o coração do jovem afortunado encolheu, como um balão gigante quando é furado. Sendo assim, o mendigo prosseguiu em seu discurso: "Você finge saber alguma coisa sobre a minha vida, mas não é capaz de decifrar a sua própria alma. Acredite, eu já fui um jovem prepotente sem afeto e sem compaixão assim como você. Mas houve um dia em que eu precisei de ajuda, mas o mundo não estendeu a mão para mim. Talvez você nunca tenha recebido um abraço caloroso e aconchegante, mas você pode enxergar o mundo de outra forma. Eu não consigo ver a sua alma, mas eu vejo nos seus olhos o vazio que você mesmo alimentou dentro de si. Pode ter dado um duro danado para chegar aonde chegou, mas não conhece a verdadeira sensação de estar fazendo a coisa certa. Você tenta me atingir com palavras cortantes apenas no intuito de se sentir superior e fazer com que eu me sinta culpado pelo simples fato de existir. Eu espero que um dia você perceba que a vida de um homem é muito mais do que aquilo que ele tem a oferecer, e que qualquer rio, por mais extenso e profundo que seja, pode um dia se esgotar. Agora que você já ouviu o que eu tinha pra te dizer, estenda a sua mão direita, por favor!". O jovem, completamente mudo e sem nenhum argumento para rebater, estendeu a mão direita bem aberta. O mendigo tirou uma das moedas que estavam na caneca e colocou-a na mão do rapaz dizendo: "Toma! Você precisa mais do que eu". Depois disso o mendigo se despediu dizendo: "Tenha um bom dia!". O mendigo saiu caminhando para outro lugar deixando o jovem rapaz totalmente despedaçado.

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