A camisa social estava muito bem ajustada. A mochila se destacava de longe. Tudo isto significa uma única coisa: que Rafael era um universitário extremamente responsável. Após engraxar seus sapatos elegantes, ele deu um beijo no rosto de sua mãe Joaquina. O coletivo estava demorando bastante, e o jovem estudante não admitia o fato de perder uma aula sequer, por mais chata que fosse. Quarenta minutos depois o coletivo finalmente houvera chegado. Ele entrou apressadamente, apresentou sua carteira de estudante ao motorista e em seguida passou pela borboleta para poder se sentar. O mundo parecia caótico do lado de fora, muito embora já fosse noite. Bares, postos de gasolina e prostíbulos. Todo esse cenário de um mundo enlouquecido entediava a cabeça do rapaz. Sendo assim, ele abriu a sua mochila e puxou um livro para ler. Ele estava lendo o romance "Crime e Castigo", de Dostoiévski.
Ao chegar à universidade, ele desceu e caminhou ligeiramente em direção à sala de aula. Rafael era um dos melhores universitários do campus acadêmico. Possuía uma linguagem bem refinada e tinha um ótimo gosto para se vestir. Durante a aula, ele levantara a mão mais ou menos umas dez vezes para expressar suas opiniões. A professora estava discutindo com os alunos sobre o racismo estrutural. Após a aula, ele caminhou com algumas de suas colegas de turma até um certo ponto. Desta vez, para poder pegar o coletivo de volta pra casa, ele teria que andar cerca de um quilômetro. Vendo que a caminhada se tornaria difícil devido ao trânsito de carros e motos que passavam em alta velocidade, ele decidiu ir por dentro de uma esquina pela qual poucas pessoas tinham o costume de andar. A luz dos postes clareavam o asfalto da rua solitária. Mosquitos enfeitavam aquele lugar voando na sua direção na tentativa de saciarem a sua extrema sede de sangue. O garoto prodígio matava dois ou três mosquitos que pousavam em seu braço esquerdo. Embora a rua tivesse alguns postes para iluminar o caminho, a escuridão prevalecia sobre aquele lugar. Após longos passos, ele notara algo de estranho. Era um homem branco de boné preto, short branco e chinelos rasurados. Ele aparentava ter a mesma idade que Rafael tinha, e estava vindo em sua direção.
O pobre rapaz começara a ficar temeroso e então, ele decidira não encarar o sujeito. Então ele acelerou os passos com a cabeça abaixada. No momento em que os dois se cruzaram, o homem branco sacou a arma do bolso e disse ao jovem rapaz: "Bora, vagabundo! Passa tudo o que tu tem agora!". Rafael ajoelhara-se diante da criatura monstruosa que estava à sua frente e lhe disse quase que soluçando: "Eu não tenho nada de valor, moço! Por favor, não me mata não!". O bandido, com os olhos carregados de ódio e malícia, encostou a cano da arma na cabeça do pobre rapaz e lhe disse: "Esvazia essa porra aí!". Ele abriu a mochila com suas mão trêmulas e emborcou-a de cabeça para baixo, fazendo com que todos os objetos caíssem no chão. Vendo que havia somente cadernos, apostilas e livros, o bandido ordenou ao rapaz dizendo-lhe: "Esvazia os bolsos pra mim ver!". O jovem escancarou os bolsos de sua calça social bege. Depois de todo esse constrangimento, o bandido apontou para os pés do rapaz e disse: "Me entrega esses sapatos que tu tá usando, e sem gracinha". À essa altura, Rafael já estava com seu coração praticamente desfalecido de tanto medo. "Anda, caralho!", gritou o bandido. Ele sentou-se para então poder tirar seus belos sapatos engraxados que sua querida e amada mãe lhe houvera presenteado no dia de seu aniversário. Após ter entregue o par de calçados para o monstro, ele sorriu maleficamente e disparou um tiro bem no meio de sua testa. O jovem rapaz caíra no chão inconsciente, enquanto o sangue pintava o chão do asfalto daquela rua desconhecida. O bandido fugiu correndo com os sapatos de Rafael nas mãos. O corpo de Rafael fora descoberto na manhã seguinte, quando um morador daquele bairro ia passando pela rua no intuito de comprar pão na padaria. Essa pessoa ligou para o SAMU, mas para a tristeza de todos, já era tarde demais. Mas quem se importaria mesmo? Afinal de contas, era só mais um negro morto num asfalto qualquer.

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